Mudança e a Inovação Educativas
na Perspectiva da Escola Privada

Introdução

1 - Natureza da inovação e mudança em  educação

2 - Vectores da inovação e mudança em educação

3 - A inovação e mudança centrada na escola privada

4 - O papel do Director e da formação na inovação e mudança em educação

Conclusão

 

Introdução  

 

               Não é fácil ser inovador num tema que trata, contraditoriamente, da mudança e da inovação a partir da escola. Na verdade, já muitos se aventuraram por estes caminhos e o resultado nem sempre tem sido o mais auspicioso, a não ser que o desapontamento possa ser interpretado como uma outra face da inovação. Entre muitas razões que podem explicar este insucesso, uma delas tem a ver com o facto de as escolas serem organizações complexas e este tipo de organizações terem, como é consensual admitir-se, dificuldades em lidar com a inovação; uma outra razão prende-se com a dificuldade em articular a tensão permanente entre liberdade e responsabilidade no interior da escola, uma vez que esta tende normalmente a colocar a ênfase na responsabilidade, entendida de um modo legalístico, o  que conduz normalmente a posturas pouco comprometidas com a inovação.  

               Um outro aspecto com interesse para a nossa discussão aponta para a inovação e a mudança como virtudes quase absolutas, cuja concretização proporcionaria à escola uma vantagem organizacional evidente e consensual, para além de acréscimos de legitimidade social e política, independentemente do sentido e do real impacto dessa mesma inovação e mudança no interior da escola.  

    Conscientes destes e de outros desafios mas também da necessidade de apostar em trilhar caminhos porventura ainda não pisados ou, pelo menos, pouco pisados, vamos propor algumas linhas que a escola privada, no nosso entender, deverá ter em conta neste novo milénio para, de algum modo, criar o seu futuro.

1- Natureza da inovação e mudança em educação

        Uma das posições mais cómodas sobre a inovação e a mudança é encará-las como envolvendo riscos e, por isso, como atitude mais sensata, haverá que manter as velhas estruturas e os curricula de ontem, ainda que, nos tempos actuais, tal solução venha a tornar-se na pior escolha, face, designadamente, às inovações  tecnológicas e ao nível do conhecimento sobre os processos de ensino e aprendizagem, à expansão do papel da escola para novas áreas até há pouco completamente esquecidas ou subalternizadas e, ainda, face às mutações nos padrões das preferências culturais dominantes.

            Uma outra atitude, dominante, aliás, até à década de 70, é considerar a mudança e a inovação um assunto que se resume simplesmente à adopção da inovação e da mudança pelos indivíduos, pouco importando o contexto organizacional em que elas ocorrem. Assim, pouco ou nada interessaria o papel da inovação e mudança quer ao nível das estruturas quer ao nível de todo o sistema de relações de poder que sustentam e que condicionam o sucesso ou o fracasso das inovações.

         Uma outra posição, também em voga até à década de 70,  tende a encarar a questão da inovação e mudança como um problema meramente técnico, alheio aos contextos sociais e culturais mais amplos em que se verificam e nada tendo a ver, portanto, com a criação de sentidos partilhados, com os jogos de poder em que, naturalmente, uns tendem a ganhar mais do que outros, em termos de poder e de status, com as alterações induzidas; além disso, a interpretação como fenómeno técnico não captaria o modo como a inovação e a mudança  desenvolvem ou criam "sentido através dos processos pelos quais ocorrem" (March e Olsen, 1989: 62), o que torna desde logo bastante difícil, entre outros aspectos, o seu controlo de um modo rigoroso.

         Temos, então, que, no estudo da inovação e da mudança ao nível organizacional é possível distinguir pelo menos duas perspectivas (cf. Goodman et al, 1984):           

            - uma  que foca a mudança como um processo racional, gerível, como resultado de opções ou de escolhas planeadas e centralmente pensadas, numa lógica linear descendente (centro-periferia), pouco atendendo ao contexto organizacional e à racionalidade limitada que necessariamente está implicada nos actos de decisão humana;

            - a perspectiva alternativa a esta realça os aspectos não racionais, ou mesmo irracionais, que condicionam o processo de inovação e mudança, concebendo-o  como não totalmente predizível, mas antes como um processo social negociável, como um processo de construção que exige mútuas adaptações. A lógica aqui é bilateral, ou seja, mutuamente adaptativa.

            Ora bem. Apesar de limitativa, esta dicotomização de perspectivas permite-nos arrumar a casa em dois paradigmas, um mais positivista e racionalizador, outro mais sistémico e multirracional, chamando a atenção, ainda, para a complexidade do estudo destes fenómenos.

            Por outro lado, a primeira perspectiva, claramente mais técnica, parte do pressuposto de que a concepção racional da inovação e a mudança tem a virtude e a graça de se impor por si mesma, ou seja, logo que concebida ela é automaticamente adoptada e implementada, pelo que bastará decretá-la para que se concretize ("inovação por decreto" ou "inovação instituída"); na segunda perspectiva, a inovação e mudança surgem como processos também políticos e culturais, requerendo  reajustamentos, negociações, conflitos, quer na fase de concepão, quer na de adopção, implementação e institucionalização ("inovação instituinte").

         Nós entendemos aqui a inovação e a mudança fundamentalmente nesta segunda acepção, ou seja, como processos que envolvem mútuas adaptações dos seus objectivos e do contexto em que vão ser implementados e que vão no sentido de transformarem os sistemas de agir e de pensar existentes ou de os perpetuar.  A inovação e a mudança constituem-se, por conseguinte, também  como processos conflituais que têm a ver, como já vimos,  com a reestruturação das relações de poder, não sendo de excluir, portanto, ora resistências (que não são necessariamente sinónimo de conservadorismo ou de menor logicidade dos actores, ver Huberman, 1973), ora adesões ad hoc, ora profissões de fé suscitadas pelo valor simbólico das próprias inovações e mudanças.

         De acordo com o que ficou dito atrás, a  inovação e a mudança educacionais não são, pois, exclusivamente "um puzzle estratégico"; são também  "uma luta política e moral" (A. Hargreaves, 1998: 282), por vezes confusa devido a ser multi-dimensional e integrar-se em mudanças mais amplas, elas também complexas. Daí o desafio e as dificuldades com que se confrontam a definição e a gestão da mudança educacional, nos dias de hoje.

         Na linha de A. Hargreaves et al. (1998),  poderíamos apresentar algumas das dificuldades relacionadas com a concretização da mudança  nas escolas:

            1- As razões da mudança estão pouco conceptualizadas e a sua necessidade não está claramente demonstrada, assim como se desconhece o modo como ocorre e quem são os seus beneficiários;

            2 - A mudança ou é tão ampla e ambiciosa que obriga os actores escolares a trabalhar em  muitas frentes ou é tão limitada e específica que induz poucas alterações no sistema;

            3 - A mudança é demasiado rápida ou é demasiado lenta, tornando-se difícil encontrar o justo equilíbrio;

            4 - A mudança custa dinheiro, para além de ser difícil um compromisso duradouro com a mudança;

            5 - Os professores não estão verdadeiramente comprometidos com a mudança;

            6 - A mudança não inverte a tendência para a passividade dos estudantes  uma vez  que frequentemente a consideram como algo que não lhes diz respeito;

            7 - A oposição à mudança por parte de vários actores, designadamente dos pais, é devida aos malefícios da experimentação que a mudança implica;

            8 - Os líderes educativos ou controlam demais ou só aderem à mudança para, através dela, atingirem postos mais elevados;

            9 - A mudança é perseguida de modo isolado, chocando com a imutabilidade de outras estruturas organizacionais;

            10 - A mudança está pouco articulada com outras mudanças, nomeadamente com a diversidade cultural e linguística, com a alteração dos padrões da família e da comunidade, com  a incerteza económica;  

           11 - A mudança é pensada apenas como fenómeno técnico, esquecendo-se outras mudanças em termos de igualdade, de justiça e de cidadania.

 

2. Vectores da inovação e mudança em educação

         Nos tempos actuais, as escolas estão particularmente sujeitas a variadíssimas forças que, segundo Sergiovanni (1998), são forças de mudança,  

            - quer elas se movam num sentido mais conservador (forças burocráticas);

            - quer resultem de posicionamentos comportamentais, de estilos de liderança (forças pessoais);

            - quer se caracterizem pela competição e incentivos às escolhas individuais (forças de mercado);

            - quer apelem a códigos de conduta, à colegialidade, à competência de perito (forças profissionais);

            - quer invoquem valores partilhados, ideias sobre pedagogia, interrelações (forças culturais);

            - quer, finalmente,  tenham  a ver com o bem comum para construir uma comunidade democrática (forças democráticas).

         Ao actuarem no campo da educação, estas forças induzem alterações que, na verdade, estão a tornar-se cada vez mais evidentes. Poderíamos resumir as principais tendências, do seguinte modo:

1- Maior envolvimento do mundo empresarial em educação através de patrocínios, parcerias, inovações curriculares, introdução de linguagem e conceitos empresariais na linguagem da reforma educacional;

2 - Crescente influência dos princípios de mercado na educação, devendo as escolas competir por clientes, prestar mais atenção às performances dos seus competidores e gerir a sua imagem;

3 - Exigência de medidas para melhorar o status dos professores, a sua qualidade e posição, através de recertificação de professores em determinados periodos da sua carreira;

4 - Maior reivindicação de esforços aos níveis local e regional para a melhoria do sistema e das escolas;

5 - Crescente atenção aos direitos dos pais;

6 - Mais insistência na responsabilização educacional, com recurso a auditorias e ao estabelecimento de niveis de financiamento consoante os resultados;    

7 - Maior atenção a formas cosntrutivistas de ensinar e aprender que ajudem a desenvolver o ensino-para-a-compreensão;

8 - Impacto das novas tecnologias nas práticas que ocorrem na sala de aula;

9 - Estratégias de ensino inovadoras (como a aprendizagem cooperativa)

10 - Formas mais sistemáticas de testagem estardardizada de resultados;

11 - Novas e mais definidas metas curriculares

                                                                                    (In A. Hargreaves, et al. 1998: 2)

         Estamos, assim, verdadeiramente e cada vez mais enquadrados pela mudança, no que ela significa de potencialidade inovadora mas também de riscos, de preocupações, como vimos atrás. Nesta "civilização da mudança" novos papéis têm vindo a ser cometidos a diferentes actores, como sejam, aos Estados, às empresas e associações, aos sindicatos, aos próprios cidadãos. Além disso, a vertigem da mudança já não tolera muitas demoras resultantes, por exemplo, de planeamentos racionalmente construídos, falando-se antes na necessidade da "queda do planeamento" (Mintzberg), da "complexidade dinâmica" (Senge), das "dinâmicas não-lineares dos sistemas humanos" (Stacey), de um "pensamento invertido" (C. Handy).

         No que concerne mais especificamente às organizações, temos vindo também a assistir a uma rápida mutação no modo de conceber a morfologia das organizações, os seus métodos de trabalho, os processos de decisão, os mecanismos de poder e de controlo, os processos de gestão e de liderança.

          E assim, deparamos hoje com inovações que apontam para o achatamento das organizações no sentido de as tornar mais magras e enxutas e, consequentemente, mais ágeis para responderem aos desafios actuais; na necessidade de serem criadas "organizações curiosas" (Peters) ou de se construírem "organizações-donut" (Handy).

          Por outro lado, todos os processos internos devem obedecer aos princípios da flexibilidade, da polivalência, da abertura, da globalidade, da autonomia, e até  de uma espécie de democratização funcional. Estas tendências, entre outras coisas, obrigariam as chefias a ter posturas também mais flexíveis, baseadas na experiência, na satisfação das pessoas, na colaboração, acolhendo perspectivas de "liderança transformacional" entendida esta como capacidade de mobilização dos outros através de um compromisso com a mudança.

          Estas transformações que ocorrem noutros campos que não o da educação tendem cada vez mais a invadir e a desafiar o terreno das escolas, exigindo-se-lhes novas capacidades de adaptação às inovações ou, melhor ainda, novas capacidades de antecipação e de criação do seu próprio futuro.

            Este posicionamento vai exigir que as escolas re-inventem o seu espaço e o seu tempo, alterando a sua "cultura de imunidade" à inovação, procurando o seu caminho distintivo através de uma "cultura de exploração", o que exigirá, consequentemnete, reprogramar  e reculturar a escola no sentido de transformar os hábitos, as capacidades e práticas dos educadores e de outros actores numa maior comunidade profissional (Fullan, 1998: 236), mais sensível às necessidades da comunidade educativa.

            Tais mudanças terão de reflectir-se, por exemplo, em novas exigências em termos de formação, assumindo esta um papel claramente estratégico, ou seja, um papel intimamente articulado com a estratégia da escola, orientada para a mudança, para a transformação e desenvolvimento da organização, para a actualização constante, contínua e global. Neste contexto, a formação, e também a aprendizagem, vão constituir-se em eixos estruturantes ou agentes fundamentais da mudança das escolas que, por sua vez, devem transformar-se em "organizações que aprendem" ou organizações inteligentes que laboram com ideias-primas.

         Em síntese, podemos dizer que uma organização educativa só se transformará verdadeiramente numa organização aberta à inovação e à mudança se for capaz de constituir em si mesma uma mecanismo autorrenovação; depois, ela só terá a ganhar se os seus actores forem capazes de actuar nos pontos de maior fertilidade inovadora, nomeadamente ao nível da:

            - liderança: profissional e transformacional

            - visão global: partilhada

            - meio de aprendizagem: motivador

            - focalização: na aprendizagem e no ensino

            - ensino: por objectivos

            - expectativas: elevadas

            - reforço: positivo

            - progresso: monitorado

            - responsabilidades e deveres: bem explícitos

            - parceria: escola-casa

            - tipo de organização: aprendente

 

3. A inovação e mudança centrada na escola privada

         É sabido que a estrutura do sistema escolar português tem favorecido um comportamento estável, uniforme e homogéneo, de acordo com a norma, de certo modo contrária à dinâmica da inovação e a mudança educativas que é representada como ligada à variedade, à heterogeneidade, à flexibilidade.

         Não admira, portanto, que as nossas escolas se caracterizem sobretudo por responderem à mudança de uma forma algo rígida e de uma forma rotineira, opondo-se à utilização de estratégias novas e arriscadas.

         Mas apesar do sistema apresentar estas características dominantes, as escolas não são apenas periferias do sistema educativo. Então, elas não podem ser concebidas apenas como lugares de reprodução do próprio sistema, mas são também centros produtores de regras, de interpretaçao de normas, de produção de acção educativa (Lima, 1992). Poderíamos  dizer, por isso, e utilizando a linguagem da teoria do caos, que as escolas são contextos de regularidade mas também de complexidade, de ordem mas também de desordem (Estêvão, 1998).

          No caso concreto da escola privada, pelo seu posicionamento institucional,  por características estruturais específicas, por uma menor fragmentação do seu meio externo, por maior autonomia nas decisões financeiras e mesmo pedagógica, entre outras dimensões, parece apresentar algumas vantagens relativas face às escolas públicas para enfrentar os desafios futuros, para além de ser reconhecido que ela tem objectivamente mais oportunidades para experimentar a inovação interna.

          Partindo da ideia de que a compreensão do modo como as organizações educativas mudam está "solidamente fundada no modo como elas são organizadas" (Baldrige e Deal, 1983: ix), cremos que a escola privada se situa privilegiadamente no sistema, sendo capaz, consequentemente, de se adiantar em termos de inovaçãoe  mudança face às escolas estatais.

          Por outro lado, as escolas privadas têm vindo a praticar um tipo de gestão mais próxima daquilo que, na década de 90 sobretudo, se designou por uma "gestão centrada na escola", e que aponta para a ideia do autodesenvolvimento, da maior autonomia e responsabilidade (J. Madsen, 1996). Assim sendo, as  escolas assim geridas tornam-se contextos proeminentes para o desenvolvimento das inovações, reforçando a ideia de que a escola é um centro produtor de acção educativa e de que é possível trilhar caminhos de diferenciação, com tudo o que isto tem de sedutor.

          Outra das propostas que pode "mexer" com a escola privada em termos de inovação e mudança está ligada à ideia, já acima referida, de transformar as escolas privadas em "organizações que aprendem" ou comunidades de aprendizagem, abertas ao meio. Isto é, a escola privada deve deixar de ser, nas palavras de R. Cabral, uma "instituição iniciática" cuja entrada pressupõe o divórcio com a realidade, e investir na inteligência (que também se aprende),  exigindo aos professores "uma cultura de investigação, centrada no aluno e fundamentada na realidade" (Idem: 61).

          Sintetizando este ponto, uma escola para se transformar verdadeiramente numa organização educativa aprendente ou como um sistema de aprendizagem (que cria, adquire e transfere conhecimento e modifica a sua acção para reflectir os novos conhecimentos e compreensões) deve:

            1.  Cuidar da visão e da sua missão:

                   -ser clara, acessível

                   - partilhada pela maioria

                   - presente nas decisões

            2.  Privilegiar uma cultura escolar:

                        - colaborativa

                        - crenças partilhadas

                        - com normas de apoio mútuo

                        - apoio às decisões arriscadas

                        - partilha de êxitos

                        - estímulo para discussões abertas

            3 . Concretizar uma estrutura organizacional:

                        - pequena dimensão da escola

                        - que facilite trabalhos em equipa

                        - processos de decisão abertos

                        - descentralização da tomada de decisões por órgãos colegiais

                        - períodos comuns para trabalho conjunto

            4. Elaborar estratégias

                        - implicação dos alunos, pais e professores nas finalidades da escola

                        - apoio em planos para o desenvolvimento institucional e individual

                        - estabelecimento de um núnero restrito de prioridades

                        - auto-revisão periódica de metas e das prioridades da escola

                        - fomento da observação mútua das aulas

                        - processos bem desenhados para pôr em prática iniciativas de programas específicos

            5. Adopção de uma política de recursos

                        - recursos suficientes para apoiar o desenvolvimento profissional   

                        - disponibilização de uma biblioteca profissional com intercâmbio entre professores

                        - disponibilização de recursos curriculares e de tecnologias

                                                                                                  In A. Bolíbar (1997).

            Se até agora falámos em vantagens da escola privada em relação à escola pública, ela pode também apresentar algumas desvantagens, designadamente em termos de valores e dos sentidos construídos no seu interior.  Explicando melhor, a cultura organizacional da escola privada, pelo seu poder de integração em redor de um núcleo quase sagrado de valores, pode excluir outras tendências mais desafiadoras, e até conflituais, dessa mesma cultura, impedindo, por esta via, o aparecimento de culturas diferenciadas que, enquanto tais, podem constituir-se em acicates de inovação e mudança. De facto, se a escola privada está mais preocupada "em assegurar uma vida comunitária em harmonia com o meio ambiente do que em singularizar-se numa inovação necessariamente arriscada à partida" (Hassenforder, 1974: 141), tal pode significar um menor ímpeto inovador.             Depois, a tendência para um certo iluminismo dos directores das escolas privadas que, por vezes, se apresentam como líderes carismáticos ou elites iluminadas ou que acreditam, segundo um padrão missionário, que aquilo que  verdadeiramente interessa é mudar as pessoas pois o resto virá por acréscimo, tal posição pode equivaler, contraditoriamente, a um real abandono de uma cultura de inovação e mudança.

            Reconhecemos, além disso, que muitas escolas privadas mudam ou têm mudado mais na aparência e não tanto em profundidade, o que significa que as inovações podem só estar a rearranjar a superfície da escola ou a contribuir para reciclar o que já existe.

 

4- O papel do Director Pedagógico e da formação na inovação e mudança em educação

         Parece-nos, depois de tudo o que ficou dito, que ao director da escola privada  lhe cabe um papel essencial neste campo específico da inovação e da mudança.

         Em termos mais concretos, ele deve contribuir, com a sua prática, para a dissolução de relações autoritárias, sendo capaz de satisfazer as necessidades, os valores e as expectativas não só da comunidade organizacional mas também da comunidade política mais ampla. Ele deve tornar-se, além disso, num verdadeiro "intelectual transformador" ou, nas palavras de Foster (1994: 144), num líder intelectual, num prático virtuoso e num agente de transformação, transformando a área da administração e gestão educativas numa verdadeira "especialidade educacional" mais do que numa "especialidade técnica" (Foster, 1994: 43).

         Congruentemente com o exposto, a formação dos gestores educativos e, neste caso, dos responsáveis pela governação das escolas privadas deverá contemplar, para além de competências funcionais, um marco analítico em que estejam presentes dimensões ligadas a uma "ética da crítica", uma vez que a escola é  fundamentalmente uma instituição moral, uma vez que deve preparar as crianças e os jovens para assumirem responsabilidades e papéis de cidadania numa sociedade democrática (Greenfield, 1993: 268).  

            Dentro desta ética da crítica, o director deve ser, entre outros aspectos, um crítico da burocracia, da impessoalidade, mas também de práticas não éticas no governo e gestão das escolas. Deve, depois, avançar para uma "ética da justiça", respondendo esta mais explicitamente às questões da igualdade, do bem comum e dos direitos humanos. Aliás, as escolas privadas, pelos apelos incessantes às questões do humanismo e pelas críticas constantes ao modo autoritário como o Estado sempre as tratou, impedindo-as de se formarem mais assertivamente como um espaço alternativo às escolas públicas, parecem particularmente bem situadas para ajudarem todos os seus membros, designadamente os jovens, a exercerem poder sobre as próprias vidas e a combaterem a tirania do sentido imposto.

            Respeitando os pressupostos anteriores, a formação do gestor educativo deve partir, então, da concepção de que ele é um líder que propõe princípios democráticos e escolas justas, respeitando a ideia de que as "Escolas justas são mais para ser desejadas do que para ser bem geridas" (Ward, 1994: 24).

            Além disso a formação deve implicar todos os actores educativos e, por isso, uma "formação centrada na escola" pode trazer alguns progressos, com repercussões ao nível da inovação e mudança, uma vez que se pretende que ela:  

   - problematize os deveres e papéis profissionais do professor;

   -desenvolva uma cultura de colegialidade e de co-interrogação de práticas e saberes;

   -vise a reflexão e a discussão de métodos e técnicas de organização da vida escolar e educativa;

   -problematize as técnicas de investigação em educação, de processos de inovação e mudança e de análise de necessidades de formação;

   - proponha a organização de grupos de reflexão sobre a prática profissional;

   -problematize metodologias pedagógicas e de orientação escolar e vocacional assim como a utilização de novas tecnologias;

   - problematize as relações entre a sociedade e a escola.

 

  (in Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (1998). Contributo para a consolidação da formação contínua centrada nas práticas profissionais. Dezembro, Braga

           Terminaríamos este ponto salientando que os directores devem ser capazes de construir uma argumentação forte a favor da mudança, tirando partido da diversidade de pessoas (não serem sempre os mesmos em todos os projectos de mudança), fazendo todos os possíveis para tornarem visível o modo como as mudanças interferirão no futuro de cada um dos actores em termos, designadamente,  de ganhos e de perdas.

        

Conclusão

           As organizações educativas, no dizer de Fullan (in H. Weiler et al. 1996) são "tecnologicamente simples e socialmente complexas". Assim sendo, a concepção e a implementação das mudanças e inovações educativas devem atender a esta especificidade das nossas escolas, reconhecendo, por exemplo, que elas podem obedecer a lógicas diferenciadas e a confronto de racionalidades nem sempre coincidentes. Além disso, e convém não esquecer, muitas inovações acabam por ser assumidas pelas escolas como se de uma solução se tratasse sem haver propriamente um problema a resolver, ou seja, a atracção pela inovação pode levar a introduzi-la na escola procurando-se depois um problema a que a inovação se adapte. Este aspecto dramatúrgico da mudança, nem sempre realçado, pode ocasionar lógicas de sedução mas também de desencanto.

           Depois, como estamos no mundo dos valores, a inovação e a mudança não podem ocorrer à margem da ética. Isto significa que as inovações e as mudanças educativas se desenvolvem, no campo axiológico, em vários sentidos possíveis: assim, elas podem reforçar orientações mais meritocráticas ou, pelo contrário,  uma maior igualdade de oportunidades, uma maior democratização, a construção de um modelo de "escola cidadã". Aqui se joga, creio eu, um dos vectores essenciais da construção de uma diferença significativa, verdadeiramente estratégica, para as escolas privadas do futuro.

         Finalmente, as mudanças e as inovações são também actos políticos e culturais, diferentemente recepcionados e reinterpretados pelos actores educativos. Por isso, elas podem potenciar ambições ou criar ilusões, mas também receios e ansiedades ou até minar a fé e a confiança nas escolas. Há, então, que tornar as inovações e mudanças técnica mas também cultural e  politicamente factíveis de modo a concitarem os apoios necessários ao seu êxito. Eis um desafio que, no fundo, nos obriga a mudar o modo de pensar em ordem a pensar o modo como mudamos a organização.

        

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Resumo

         As organizações em geral e as organizações educativas em particular estaõ perante pressões associadas que as forçam a mudar, ora expandindo a sua missão e objecticos, ora adpatando-se às exigências das novas tecnologias e a novas regulações; ora a, ainda, reestruturando-se internamente quanto aos seus órgãos, às suas funções e padrões de desempenho.

            Procura-se aqui estudar a mudança e a inovação organizacional, tentando compreender a sua natureza e a complexidade dos seus principais vectores.

            De modo particular, sublinhar-se-á a especificidade organizacional da escola privada para captar melhor os sentidos em que esta poderá desenvolver-se assim como as condições que dificultam ou facilitam a construção inovadora, por parte da escola privada, de uma diferença significativa e verdadeiramente estratégica.

 

Currículo abreviado:

Carlos Alberto Vilar Estêvão, é Professor Auxiliar do Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, tendo-se doutorado em 13 de Fevereiro de 1997, defendendo a dissertação: Redescobrir a Escola Privada Portuguesa como Organização. Na Fronteira da sua Complexidade Organizacional, tendo sido aprovado por unanimidade, com distinção e louvor.           

Lecciona nas Licenciaturas de Ensino e de Educação e nos Mestrados em Educação disciplinas ligadas à Sociologia da Educação, Administração Educacional, Políticas Educativas e Formação e Gestão de Recursos Humanos.

Tem participado em projectos especializados desenvolvidos no país e no estrangeiro, por solicitação quer do Ministério da Educação quer de outras entidades. Está actualmente envolvido em três projectos de investigação financiados pelo Centro de Investigação do IEP e um deles também pela Comunidade Europeia.

Tem várias publicações, em livros e revistas, em Portugal e no Estrangeiro, em áreas relacionadas com as disciplinas que tem vindo a leccionar na Universidade do Minho, e privilegiado claramente a temática do Ensino Privado a par de outras ligadas à inovação educativa, à qualidade, à formação e à gestão estratégica nas escolas.

Fórum do Ensino Particular e Cooperativo

"Pensar a Mudança e a Inovação na Perspectiva da Escola Privada"