Mudança e a
Inovação Educativas
na Perspectiva da Escola Privada
1 - Natureza da inovação e mudança em educação
2 -
Vectores da inovação e mudança em
educação
3 -
A inovação e mudança centrada na
escola privada
4 -
O papel do Director e da formação na
inovação
e mudança em educação
Não
é fácil ser inovador num tema que trata, contraditoriamente, da mudança e da
inovação a partir da escola. Na verdade, já muitos se aventuraram por estes
caminhos e o resultado nem sempre tem sido o mais auspicioso, a não ser que o
desapontamento possa ser interpretado como uma outra face da inovação. Entre
muitas razões que podem explicar este insucesso, uma delas tem a ver com o
facto de as escolas serem organizações complexas e este tipo de organizações
terem, como é consensual admitir-se, dificuldades em lidar com a inovação;
uma outra razão prende-se com a dificuldade em articular a tensão permanente
entre liberdade e responsabilidade no interior da escola, uma vez que esta tende
normalmente a colocar a ênfase na responsabilidade, entendida de um modo legalístico,
o que conduz normalmente a posturas
pouco comprometidas com a inovação.
Um outro aspecto com interesse para a nossa discussão aponta para a
inovação e a mudança como virtudes quase absolutas, cuja concretização
proporcionaria à escola uma vantagem organizacional evidente e consensual, para
além de acréscimos de legitimidade social e política, independentemente do
sentido e do real impacto dessa mesma inovação e mudança no interior da
escola.
Conscientes destes e de outros
desafios mas também da necessidade de apostar em trilhar caminhos porventura
ainda não pisados ou, pelo menos, pouco pisados, vamos propor algumas linhas
que a escola privada, no nosso entender, deverá ter em conta neste novo milénio
para, de algum modo, criar o seu futuro.
1-
Natureza da inovação e mudança em educação
Uma
das posições mais cómodas sobre a inovação e a mudança é encará-las como
envolvendo riscos e, por isso, como atitude mais sensata, haverá que manter as
velhas estruturas e os curricula de
ontem, ainda que, nos tempos actuais, tal solução venha a tornar-se na pior
escolha, face, designadamente, às inovações
tecnológicas e ao nível do conhecimento sobre os processos de ensino e
aprendizagem, à expansão do papel da escola para novas áreas até há pouco
completamente esquecidas ou subalternizadas e, ainda, face às mutações nos
padrões das preferências culturais dominantes.
Uma outra atitude, dominante, aliás, até à década de 70, é
considerar a mudança e a inovação um assunto que se resume simplesmente à
adopção da inovação e da mudança pelos indivíduos, pouco importando o
contexto organizacional em que elas ocorrem. Assim, pouco ou nada interessaria o
papel da inovação e mudança quer ao nível das estruturas quer ao nível de
todo o sistema de relações de poder que sustentam e que condicionam o sucesso
ou o fracasso das inovações.
Uma
outra posição, também em voga até à década de 70,
tende a encarar a questão da inovação e mudança como um problema
meramente técnico, alheio aos contextos sociais e culturais mais amplos em que
se verificam e nada tendo a ver, portanto, com a criação de sentidos
partilhados, com os jogos de poder em que, naturalmente, uns tendem a ganhar
mais do que outros, em termos de poder e de status, com as alterações
induzidas; além disso, a interpretação como fenómeno técnico não captaria
o modo como a inovação e a mudança desenvolvem
ou criam "sentido através dos processos pelos quais ocorrem" (March e
Olsen, 1989: 62), o que torna desde logo bastante difícil, entre outros
aspectos, o seu controlo de um modo rigoroso.
Temos,
então, que, no estudo da inovação e da mudança ao nível organizacional é
possível distinguir pelo menos duas perspectivas (cf. Goodman et al, 1984):
- uma que foca a mudança como um processo racional, gerível, como
resultado de opções ou de escolhas planeadas e centralmente pensadas, numa lógica
linear descendente (centro-periferia), pouco atendendo ao contexto
organizacional e à racionalidade limitada
que necessariamente está implicada nos actos de decisão humana;
- a perspectiva alternativa a esta realça os aspectos não racionais, ou
mesmo irracionais, que condicionam o processo de inovação e mudança,
concebendo-o como não totalmente
predizível, mas antes como um processo social negociável, como um processo de
construção que exige mútuas adaptações. A lógica aqui é bilateral, ou
seja, mutuamente adaptativa.
Ora bem. Apesar de limitativa, esta dicotomização de perspectivas
permite-nos arrumar a casa em dois paradigmas, um mais positivista e
racionalizador, outro mais sistémico e multirracional, chamando a atenção,
ainda, para a complexidade do estudo destes fenómenos.
Por outro lado, a primeira perspectiva, claramente mais técnica, parte do pressuposto de que a concepção racional da inovação e a mudança tem a virtude e a graça de se impor por si mesma, ou seja, logo que concebida ela é automaticamente adoptada e implementada, pelo que bastará decretá-la para que se concretize ("inovação por decreto" ou "inovação instituída"); na segunda perspectiva, a inovação e mudança surgem como processos também políticos e culturais, requerendo reajustamentos, negociações, conflitos, quer na fase de concepão, quer na de adopção, implementação e institucionalização ("inovação instituinte").
Nós
entendemos aqui a inovação e a mudança fundamentalmente nesta segunda acepção,
ou seja, como processos que envolvem mútuas adaptações dos seus objectivos e
do contexto em que vão ser implementados e que vão no sentido de transformarem
os sistemas de agir e de pensar existentes ou de os perpetuar. A inovação e a mudança constituem-se, por conseguinte,
também como processos conflituais
que têm a ver, como já vimos, com
a reestruturação das relações de poder, não sendo de excluir, portanto, ora
resistências (que não são necessariamente sinónimo de conservadorismo ou de
menor logicidade dos actores, ver Huberman, 1973), ora adesões ad
hoc, ora profissões de fé suscitadas pelo valor simbólico das próprias
inovações e mudanças.
De
acordo com o que ficou dito atrás, a inovação
e a mudança educacionais não são, pois, exclusivamente "um puzzle estratégico";
são também "uma luta política
e moral" (A. Hargreaves, 1998: 282), por vezes confusa devido a ser
multi-dimensional e integrar-se em mudanças mais amplas, elas também
complexas. Daí o desafio e as dificuldades com que se confrontam a definição
e a gestão da mudança educacional, nos dias de hoje.
Na linha de A. Hargreaves et al. (1998), poderíamos apresentar algumas das dificuldades relacionadas com a concretização da mudança nas escolas:
1- As razões da mudança estão pouco
conceptualizadas e a sua necessidade não está claramente demonstrada, assim
como se desconhece o modo como ocorre e quem são os seus beneficiários;
2 - A mudança ou é tão ampla e ambiciosa que obriga os actores
escolares a trabalhar em muitas
frentes ou é tão limitada e específica que induz poucas alterações no
sistema;
3 - A mudança é demasiado rápida ou é demasiado lenta, tornando-se
difícil encontrar o justo equilíbrio;
4 - A mudança custa dinheiro, para além de ser difícil um
compromisso duradouro com a mudança;
5 - Os professores não estão verdadeiramente comprometidos com a
mudança;
6 - A mudança não inverte a tendência para a passividade dos estudantes uma vez que frequentemente a consideram como algo que não lhes diz respeito;
7 - A oposição à mudança por parte de vários actores,
designadamente dos pais, é devida aos malefícios da experimentação que a
mudança implica;
8 - Os líderes educativos ou controlam demais ou só aderem à mudança para, através dela, atingirem postos mais elevados;
9 - A mudança é perseguida de modo isolado, chocando com a
imutabilidade de outras estruturas organizacionais;
11 - A mudança é pensada apenas como fenómeno técnico, esquecendo-se outras mudanças em termos de igualdade, de justiça e de cidadania.
2.
Vectores da inovação e mudança em educação
Nos
tempos actuais, as escolas estão particularmente sujeitas a variadíssimas forças
que, segundo Sergiovanni (1998), são forças de mudança,
- quer elas se movam num sentido mais conservador (forças burocráticas);
- quer resultem de posicionamentos comportamentais, de estilos de liderança
(forças pessoais);
- quer se caracterizem pela competição e incentivos às escolhas
individuais (forças de mercado);
- quer apelem a códigos de conduta, à colegialidade, à competência de
perito (forças profissionais);
- quer invoquem valores partilhados, ideias sobre pedagogia, interrelações
(forças culturais);
- quer, finalmente, tenham
a ver com o bem comum para construir uma comunidade democrática (forças
democráticas).
Ao
actuarem no campo da educação, estas forças induzem alterações que, na
verdade, estão a tornar-se cada vez mais evidentes. Poderíamos resumir as
principais tendências, do seguinte modo:
1- Maior envolvimento do mundo
empresarial em educação através de patrocínios, parcerias, inovações
curriculares, introdução de linguagem e conceitos empresariais na linguagem
da reforma educacional;
2 - Crescente influência dos princípios de
mercado na educação, devendo as escolas competir por clientes, prestar mais
atenção às performances dos seus
competidores e gerir a sua imagem;
3 - Exigência de medidas para melhorar o status
dos professores, a sua qualidade e posição, através de recertificação de
professores em determinados periodos da sua carreira;
4 - Maior reivindicação de esforços aos níveis
local e regional para a melhoria do sistema e das escolas;
5 - Crescente atenção aos direitos dos pais;
6 - Mais insistência na responsabilização
educacional, com recurso a auditorias e ao estabelecimento de niveis de
financiamento consoante os resultados;
7 - Maior atenção a formas cosntrutivistas de
ensinar e aprender que ajudem a desenvolver o ensino-para-a-compreensão;
8 - Impacto das novas tecnologias nas práticas que
ocorrem na sala de aula;
9 - Estratégias de ensino inovadoras (como a
aprendizagem cooperativa)
10 - Formas mais sistemáticas de testagem
estardardizada de resultados;
11
- Novas e mais definidas metas curriculares
(In A. Hargreaves, et al. 1998: 2)
Estamos,
assim, verdadeiramente e cada vez mais enquadrados pela mudança, no que ela
significa de potencialidade inovadora mas também de riscos, de preocupações,
como vimos atrás. Nesta "civilização da mudança" novos papéis têm
vindo a ser cometidos a diferentes actores, como sejam, aos Estados, às
empresas e associações, aos sindicatos, aos próprios cidadãos. Além disso,
a vertigem da mudança já não tolera muitas demoras resultantes, por exemplo,
de planeamentos racionalmente construídos, falando-se antes na necessidade da
"queda do planeamento" (Mintzberg), da "complexidade dinâmica"
(Senge), das "dinâmicas não-lineares dos sistemas humanos" (Stacey),
de um "pensamento invertido" (C. Handy).
No
que concerne mais especificamente às organizações, temos vindo também a
assistir a uma rápida mutação no modo de conceber a morfologia das organizações,
os seus métodos de trabalho, os processos de decisão, os mecanismos de poder e
de controlo, os processos de gestão e de liderança.
E assim, deparamos hoje com inovações que apontam para o achatamento
das organizações no sentido de as tornar mais magras e enxutas e,
consequentemente, mais ágeis para responderem aos desafios actuais; na
necessidade de serem criadas "organizações curiosas" (Peters) ou de
se construírem "organizações-donut" (Handy).
Por outro lado, todos os processos internos devem obedecer aos princípios
da flexibilidade, da polivalência, da abertura, da globalidade, da autonomia, e
até de uma espécie de democratização
funcional. Estas tendências, entre outras coisas, obrigariam as chefias a ter
posturas também mais flexíveis, baseadas na experiência, na satisfação das
pessoas, na colaboração, acolhendo perspectivas de "liderança
transformacional" entendida esta como capacidade de mobilização dos
outros através de um compromisso com a mudança.
Estas
transformações que ocorrem noutros campos que não o da educação tendem cada
vez mais a invadir e a desafiar o terreno das escolas, exigindo-se-lhes novas
capacidades de adaptação às inovações ou, melhor ainda, novas capacidades
de antecipação e de criação do seu próprio futuro.
Este posicionamento vai exigir que as escolas re-inventem o seu espaço e
o seu tempo, alterando a sua "cultura de imunidade" à inovação,
procurando o seu caminho distintivo através de uma "cultura de exploração",
o que exigirá, consequentemnete, reprogramar
e reculturar a escola no
sentido de transformar os hábitos, as capacidades e práticas dos educadores e
de outros actores numa maior comunidade profissional (Fullan, 1998: 236), mais
sensível às necessidades da comunidade educativa.
Tais mudanças terão de reflectir-se, por exemplo, em novas exigências
em termos de formação, assumindo esta um papel claramente estratégico, ou
seja, um papel intimamente articulado com a estratégia da escola, orientada
para a mudança, para a transformação e desenvolvimento da organização, para
a actualização constante, contínua e global. Neste contexto, a formação, e
também a aprendizagem, vão constituir-se em eixos estruturantes ou agentes
fundamentais da mudança das escolas que, por sua vez, devem transformar-se em
"organizações que aprendem" ou organizações inteligentes que
laboram com ideias-primas.
Em
síntese, podemos dizer que uma organização educativa só se transformará
verdadeiramente numa organização aberta à inovação e à mudança se for
capaz de constituir em si mesma uma mecanismo autorrenovação; depois, ela só
terá a ganhar se os seus actores forem capazes de actuar nos pontos de maior
fertilidade inovadora, nomeadamente ao nível da:
- liderança: profissional e transformacional
- visão global: partilhada
- meio de aprendizagem: motivador
- focalização: na aprendizagem e no ensino
- ensino: por objectivos
- expectativas: elevadas
- reforço: positivo
- progresso: monitorado
- responsabilidades e deveres: bem explícitos
- parceria: escola-casa
- tipo de organização: aprendente
3. A
inovação e mudança centrada na escola privada
É
sabido que a estrutura do sistema escolar português tem favorecido um
comportamento estável, uniforme e homogéneo, de acordo com a norma, de certo
modo contrária à dinâmica da inovação e a mudança educativas que é
representada como ligada à variedade, à heterogeneidade, à flexibilidade.
Não admira, portanto, que as nossas escolas se caracterizem sobretudo
por responderem à mudança de uma forma algo rígida e de uma forma rotineira,
opondo-se à utilização de estratégias novas e arriscadas.
Mas
apesar do sistema apresentar estas características dominantes, as escolas não
são apenas periferias do sistema educativo. Então, elas não podem ser
concebidas apenas como lugares de reprodução do próprio sistema, mas são
também centros produtores de regras, de interpretaçao de normas, de produção
de acção educativa (Lima, 1992). Poderíamos
dizer, por isso, e utilizando a linguagem da teoria do caos, que as
escolas são contextos de regularidade mas também de complexidade, de ordem mas
também de desordem (Estêvão, 1998).
No
caso concreto da escola privada, pelo seu posicionamento institucional,
por características estruturais específicas, por uma menor fragmentação
do seu meio externo, por maior autonomia nas decisões financeiras e mesmo pedagógica,
entre outras dimensões, parece apresentar algumas vantagens relativas face às
escolas públicas para enfrentar os desafios futuros, para além de ser
reconhecido que ela tem objectivamente mais oportunidades para experimentar a
inovação interna.
Partindo da ideia de que a compreensão do modo como as organizações
educativas mudam está "solidamente fundada no modo como elas são
organizadas" (Baldrige e Deal, 1983: ix), cremos que a escola privada se
situa privilegiadamente no sistema, sendo capaz, consequentemente, de se
adiantar em termos de inovaçãoe mudança
face às escolas estatais.
Por outro lado, as escolas privadas têm vindo a praticar um tipo de gestão
mais próxima daquilo que, na década de 90 sobretudo, se designou por uma
"gestão centrada na escola", e que aponta para a ideia do
autodesenvolvimento, da maior autonomia e responsabilidade (J. Madsen, 1996).
Assim sendo, as escolas assim geridas tornam-se contextos proeminentes para o
desenvolvimento das inovações, reforçando a ideia de que a escola é um
centro produtor de acção educativa e de que é possível trilhar caminhos de
diferenciação, com tudo o que isto tem de sedutor.
Outra das propostas que pode "mexer" com a escola privada em
termos de inovação e mudança está ligada à ideia, já acima referida, de
transformar as escolas privadas em "organizações que aprendem" ou
comunidades de aprendizagem, abertas ao meio. Isto é, a escola privada deve
deixar de ser, nas palavras de R. Cabral, uma "instituição iniciática"
cuja entrada pressupõe o divórcio com a realidade, e investir na inteligência
(que também se aprende), exigindo
aos professores "uma cultura de investigação, centrada no aluno e
fundamentada na realidade" (Idem: 61).
Sintetizando este ponto, uma escola para se transformar verdadeiramente
numa organização educativa aprendente ou como um sistema de aprendizagem (que
cria, adquire e transfere conhecimento e modifica a sua acção para reflectir
os novos conhecimentos e compreensões) deve:
1. Cuidar da visão e da sua
missão:
-ser clara, acessível
- partilhada pela maioria
- presente nas decisões
2. Privilegiar uma cultura
escolar:
- colaborativa
- crenças partilhadas
- com normas de apoio mútuo
- apoio às decisões arriscadas
- partilha de êxitos
- estímulo para discussões abertas
3 . Concretizar uma estrutura organizacional:
- pequena dimensão da escola
- que facilite trabalhos em equipa
- processos de decisão abertos
- descentralização da tomada de decisões por órgãos colegiais
- períodos comuns para trabalho conjunto
4. Elaborar estratégias
- implicação dos alunos, pais e professores nas finalidades da escola
- apoio em planos para o desenvolvimento institucional e individual
- estabelecimento de um núnero restrito de prioridades
- auto-revisão periódica de metas e das prioridades da escola
- fomento da observação mútua das aulas
- processos bem desenhados para pôr em prática iniciativas de programas específicos
5. Adopção de uma política de recursos
- recursos suficientes para apoiar o desenvolvimento profissional
- disponibilização de uma biblioteca profissional com intercâmbio entre
professores
- disponibilização de recursos curriculares e de tecnologias
Se
até agora falámos em vantagens da escola privada em relação à escola pública,
ela pode também apresentar algumas desvantagens, designadamente em termos de
valores e dos sentidos construídos no seu interior.
Explicando melhor, a cultura
organizacional da escola privada, pelo seu poder de integração em redor de
um núcleo quase sagrado de valores, pode excluir outras tendências mais
desafiadoras, e até conflituais, dessa mesma cultura, impedindo, por esta via,
o aparecimento de culturas diferenciadas que, enquanto tais, podem constituir-se
em acicates de inovação e mudança. De facto, se a escola privada está mais
preocupada "em assegurar uma vida comunitária em harmonia com o meio
ambiente do que em singularizar-se numa inovação necessariamente arriscada à
partida" (Hassenforder, 1974: 141), tal pode significar um menor ímpeto
inovador.
Depois, a tendência para um certo iluminismo dos directores das escolas
privadas que, por vezes, se apresentam como líderes carismáticos ou elites
iluminadas ou que acreditam, segundo um padrão missionário, que aquilo que
verdadeiramente interessa é mudar as pessoas pois o resto virá por acréscimo,
tal posição pode equivaler, contraditoriamente, a um real abandono de uma
cultura de inovação e mudança.
Reconhecemos, além disso, que muitas escolas privadas mudam ou têm
mudado mais na aparência e não tanto em profundidade, o que significa que as
inovações podem só estar a rearranjar a superfície da escola ou a contribuir
para reciclar o que já existe.
4-
O papel do Director Pedagógico e da formação na inovação e mudança em
educação
Parece-nos,
depois de tudo o que ficou dito, que ao director da escola privada
lhe cabe um papel essencial neste campo específico da inovação e da
mudança.
Em termos mais concretos, ele deve contribuir, com a sua prática,
para a dissolução de relações autoritárias, sendo capaz de satisfazer as
necessidades, os valores e as expectativas não só da comunidade organizacional
mas também da comunidade política mais ampla. Ele deve tornar-se, além disso,
num verdadeiro "intelectual transformador" ou, nas palavras de Foster
(1994: 144), num líder intelectual, num prático virtuoso e num agente de
transformação, transformando a área da administração e gestão educativas
numa verdadeira "especialidade educacional" mais do que numa
"especialidade técnica" (Foster, 1994: 43).
Congruentemente
com o exposto, a formação dos gestores educativos e, neste caso, dos responsáveis
pela governação das escolas privadas deverá contemplar, para além de competências
funcionais, um marco analítico em que estejam presentes dimensões ligadas a
uma "ética da crítica", uma vez que a escola é
fundamentalmente uma instituição moral, uma vez que deve preparar as
crianças e os jovens para assumirem responsabilidades e papéis de cidadania
numa sociedade democrática (Greenfield, 1993: 268).
Dentro desta ética da crítica, o director deve ser, entre outros
aspectos, um crítico da burocracia, da impessoalidade, mas também de práticas
não éticas no governo e gestão das escolas. Deve, depois, avançar para uma
"ética da justiça", respondendo esta mais explicitamente às questões
da igualdade, do bem comum e dos direitos humanos. Aliás, as escolas privadas,
pelos apelos incessantes às questões do humanismo e pelas críticas constantes
ao modo autoritário como o Estado sempre as tratou, impedindo-as de se formarem
mais assertivamente como um espaço alternativo às escolas públicas, parecem
particularmente bem situadas para ajudarem todos os seus membros, designadamente
os jovens, a exercerem poder sobre as próprias vidas e a combaterem a tirania
do sentido imposto.
Respeitando os pressupostos anteriores, a formação do gestor educativo
deve partir, então, da concepção de que ele é um líder que propõe princípios
democráticos e escolas justas, respeitando a ideia de que as "Escolas
justas são mais para ser desejadas do que para ser bem geridas" (Ward,
1994: 24).
Além disso a formação deve implicar todos os actores educativos e, por
isso, uma "formação centrada na escola" pode trazer alguns
progressos, com repercussões ao nível da inovação e mudança, uma vez que se
pretende que ela:
-
problematize os deveres e papéis profissionais do professor;
-desenvolva
uma cultura de colegialidade e de co-interrogação de práticas e saberes;
-vise
a reflexão e a discussão de métodos e técnicas de organização da vida
escolar e educativa;
-problematize
as técnicas de investigação em educação, de processos de inovação e mudança
e de análise de necessidades de formação;
-
proponha a organização de grupos de reflexão sobre a prática profissional;
-problematize
metodologias pedagógicas e de orientação escolar e vocacional assim como a
utilização de novas tecnologias;
-
problematize as relações entre a sociedade e a escola.
(in Conselho
Científico-Pedagógico da Formação Contínua (1998). Contributo para a consolidação da formação contínua centrada nas práticas
profissionais. Dezembro, Braga
Terminaríamos este ponto salientando que os directores devem ser capazes
de construir uma argumentação forte a favor da mudança, tirando partido da
diversidade de pessoas (não serem sempre os mesmos em todos os projectos de
mudança), fazendo todos os possíveis para tornarem visível o modo como as
mudanças interferirão no futuro de cada um dos actores em termos,
designadamente, de ganhos e de
perdas.
Finalmente,
as mudanças e as inovações são também actos políticos e culturais,
diferentemente recepcionados e reinterpretados pelos actores educativos. Por
isso, elas podem potenciar ambições ou criar ilusões, mas também receios e
ansiedades ou até minar a fé e a confiança nas escolas. Há, então, que
tornar as inovações e mudanças técnica mas também cultural e
politicamente factíveis de modo a concitarem os apoios necessários ao
seu êxito. Eis um desafio que, no fundo, nos obriga a mudar o modo de pensar em
ordem a pensar o modo como mudamos a organização.
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Resumo
As
organizações em geral e as organizações educativas em particular estaõ
perante pressões associadas que as forçam a mudar, ora expandindo a sua missão
e objecticos, ora adpatando-se às exigências das novas tecnologias e a novas
regulações; ora a, ainda, reestruturando-se internamente quanto aos seus órgãos,
às suas funções e padrões de desempenho.
Procura-se aqui estudar a mudança e a inovação organizacional,
tentando compreender a sua natureza e a complexidade dos seus principais
vectores.
De modo particular, sublinhar-se-á a especificidade organizacional da
escola privada para captar melhor os sentidos em que esta poderá desenvolver-se
assim como as condições que dificultam ou facilitam a construção inovadora,
por parte da escola privada, de uma diferença significativa e verdadeiramente
estratégica.
Currículo
abreviado:
Carlos
Alberto Vilar Estêvão, é Professor Auxiliar do Departamento de Sociologia da
Educação e Administração Educacional do Instituto de Educação e Psicologia
da Universidade do Minho, tendo-se doutorado em 13 de Fevereiro de 1997,
defendendo a dissertação: Redescobrir a
Escola Privada Portuguesa como Organização. Na Fronteira da sua Complexidade
Organizacional, tendo sido aprovado por unanimidade, com distinção e
louvor.
Lecciona
nas Licenciaturas de Ensino e de Educação e nos Mestrados em Educação
disciplinas ligadas à Sociologia da Educação, Administração Educacional,
Políticas Educativas e Formação e Gestão de Recursos Humanos.
Tem
participado em projectos especializados desenvolvidos no país e no estrangeiro,
por solicitação quer do Ministério da Educação quer de outras entidades.
Está actualmente envolvido em três projectos de investigação financiados
pelo Centro de Investigação do IEP e um deles também pela Comunidade
Europeia.
Tem
várias publicações, em livros e revistas, em Portugal e no Estrangeiro, em áreas
relacionadas com as disciplinas que tem vindo a leccionar na Universidade do
Minho, e privilegiado claramente a temática do Ensino Privado a par de outras
ligadas à inovação educativa, à qualidade, à formação e à gestão estratégica
nas escolas.
Fórum
do Ensino Particular e Cooperativo
"Pensar a Mudança
e a Inovação na Perspectiva da Escola Privada"