Aplicação dos Direitos Humanos aos criminosos

Salomé Andrade
16/02/2018

Os Direitos Humanos visam salvaguardar a dignidade de todas as pessoas, em todos os momentos e em todas as suas dimensões, incluindo a do indivíduo que cometeu um crime, impondo-se a qualquer sociedade, Estado ou organização...

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O Internato


Os Direitos Humanos visam salvaguardar a dignidade de todas as pessoas, em todos os momentos e em todas as suas dimensões, incluindo a do indivíduo que cometeu um crime, impondo-se a qualquer sociedade, Estado ou organização, a ponto de não serem questionados.

Para que isto se cumpra, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (DUDH) desenvolveu artigos que também protegem os criminosos.

O artigo 3.º diz que “Toda a pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Neste artigo, podemos ver a consideração de duas perspetivas: a proteção do cidadão cumpridor e a do infrator.

Relativamente à proteção do cidadão, este artigo pretende diminuir, através da aplicação da lei pelo sistema judicial, o número de criminosos existentes e evitar a criação de mais “marginais”, o que diminuirá a possibilidade de o cidadão ser vítima de um crime. No entanto, enquanto se continuar a infringir os direitos humanos, o objetivo não se irá alcançar.

No que se refere à proteção do criminoso, este artigo acautela que o condenado não seja ameaçado, torturado ou morto, aplicando-se a lei e o respeito, também nesta sede, pelos Direitos Humanos, acreditando-se, desta forma, na reabilitação do cidadão que cometeu um crime.

Um outro artigo da DUDH que se aplica também aos criminosos é o artigo 5.º, pois, nele, se afirma que “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

Não se nega à vítima o direito de sentir dor, raiva e tristeza. Mas, se fizermos o que diz o provérbio “Olho por olho, dente por dente”, nunca haverá paz nem possibilidade de novos recomeços; pelo contrário, estaremos mais perto de uma sociedade violenta, onde o crime não acaba e na qual se pode ser vítima, de novo.

Efetivamente, os criminosos devem ser punidos, afastados do convívio social e do exercício das prerrogativas de quem vive em liberdade, mas a sua punição deve ter como objetivo primário a reabilitação, a devolução de uma vida com projetos que façam sentido, tornando este indivíduo num cidadão responsável, arrependido e disposto a aceitar a oportunidade que o sistema jurídico lhe dá.

Por último o artigo 11.º enuncia que “Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume–se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público, em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

Este artigo consigna, especificamente, o direito à defesa do arguido, dando e assegurando-lhe que o julgamento se faça num tribunal imparcial, que suporta as suas decisões em provas e que entende que as penas se limitam à privação parcial e temporária de liberdade.

Quando nos colocamos no lugar do outro, percebemos que, quando nos acusam de algo que não fizemos, como falar mal de alguém ou roubar um objeto, temos, normalmente, a necessidade de explicar que não o fizemos, sem sermos, de imediato, maltratados pelos de fora. Isto mais não é do que a necessidade de que este princípio seja assegurado.

Assim sendo, quando alguém é preso, há direitos, como a liberdade de pensamento, de convicção, de ter um tratamento digno, que não podem ser negados.

E não é de agora que se entende que os Direitos Humanos também têm de ser a consequência de um sistema judicial atento, assertivo para todos os cidadãos, logo também para o criminoso. Já os romanos, minimamente letrados, bem antes do grande Império Romano, conseguiram explicar a importância de se lidar apropriadamente com o delinquente, protegendo-o da ira popular e da vontade de vingança dos familiares e amigos da vítima, pois só assim se conseguia gerir uma sociedade pacífica, segura, próspera e onde reina o bem-estar e seja melhor para se viver.

Desta forma, prevejo dois possíveis cenários de sociedade.

No primeiro, existe uma sociedade em que todos aqueles que cometem crimes são presos. Contudo, não existe preocupação com a sua reabilitação, nem com o tratamento que estes recebem nas prisões.

As consequências desta sociedade são desastrosas. Os cidadãos são vítimas de crimes, vezes e vezes sem conta, porque, uma vez regressados às ruas, tornarão a cometer crimes, levando a que exista um número muito elevado de casos para serem avaliados e julgados, tornando o sistema jurídico cada vez mais lento e ineficaz.

Para além disto, a economia do país é pouco produtiva, pois estas pessoas que poderiam estar a trabalhar ou, até mesmo, a estudar estão ocupadas a praticar atos puníveis pela lei.

Contudo, acredito que existe uma outra sociedade onde os criminosos, quando presos, são reabilitados (seja com cursos profissionais, seja a trabalhar, seja através de tratamento psicológico) para que possam tentar ter uma nova vida, longe do crime.

Nesta sociedade, imagino, menos serão os civis que são vítimas de crimes. A economia será mais produtiva, porque mesmo os ex-reclusos reabilitados trabalham e produzem e terão menos propensão para o crime, descongestionando o sistema judicial.

Após esta reflexão, eu pergunto, qual a sociedade que se prefere? Uma sociedade em que não se reabilitam os criminosos, porque lhes retiramos o estatuto de pessoa, assumindo as consequências que daí advêm?

Ou outra onde estes são reabilitados, regressam à sociedade e voltam a contribuir para a comunidade?

Se a resposta foi a segunda, então entende-se a necessidade de os Direitos Humanos protegerem não só o cidadão comum como também o individuo que quebrou a lei.


Salomé Andrade
12.º Assessoria Jurídica e Documentação
FCT “O criminoso como sujeito de Direitos”


 

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