“AUSCHWITZ SEMPRE” VIII
“Aqueles que não se recordam do passado estão condenados a repeti-lo”.

Dr.ª Maria José Queirós
03/04/2019

"O modo mais eficaz para combater esta intolerância e prestar honra àqueles que sobreviveram e àqueles que morreram é o de exortar-nos uns aos outros a fazer aquilo que os sobreviventes já fizeram: recordar e não esquecer jamais" (Steven Spielberg)

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Eis então alguns dos testemunhos dos participantes:

«Partimos para o campo de concentração em Auschwitz. O clima presente no campo manifestava, desde o início, a dor e o sofrimento que as vítimas sentiram nos períodos de horror sofridos naquela altura. Auschwitz constitui-se em três campos, o Auschwitz I, o Auschwitz II – Birkenau e Auschwitz III. O primeiro, um dos principais centros de extermínio, foi o campo de concentração original e o centro administrativo. Nele, absorvíamos uma certa emoção ao visualizarmos todos os vestígios de fome, de violência e de opressão, acompanhados por imagens e restos de pertences confiscados pelos nazis. O campo serviu para a utilização de trabalho forçado dos prisioneiros, apoiada com a frase afixada na entrada do campo: “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”). Iniciámos a visita com os diferentes blocos do campo, onde examinávamos exposições que mostram as condições em que sobreviviam os prisioneiros, além de uma pequena parte da imensa coleção de objetos que foram roubados dos prisioneiros antes de serem assassinados, especificamente botas, malas, óculos, panelas… inclusive cabelo, que era vendido para a fabricação de tapetes que os nazis usavam.

O segundo campo, conhecido como “Solução final”, tinha como propósito aniquilar a população judia. O campo encontrava-se dividido em várias seções delimitadas com arames e grades eletrificadas. Depois de uma longa viagem, os judeus chegavam exaustos a Auschwitz, onde aqueles que eram considerados pouco aptos para trabalhar eram separados dos outros, sendo transferidos para câmaras de gás, enquanto os restantes trabalhavam até à morte.

Indubitavelmente, Auschwitz exterioriza frieza, angústia, perturbações psicológicas e choques emocionais, devido aos depoimentos, imagens e vestígios presentes, dando a conhecer um dos momentos mais trágicos e importantes da história do século XX.»

(Testemunho da aluna Noémia, do 12.º AJD)


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«Sendo Auschwitz um dos destinos que mais desejava conhecer, esta viagem fez-me olhar para as coisas de outra forma. Foi muito tocante ter presenciado um espaço onde passaram milhares e milhares de pessoas com o pensamento de que iam ser felizes, mas acabaram por ser mortas e/ou forçadas a trabalhos árduos e sem condições nenhumas. Acabou por ser uma viagem de muita reflexão.


A frase irónica e ao mesmo tempo icónica “Arbeit Macht Frei” à entrada do campo de Auschwitz I é extremamente emblemática, pois os prisioneiros eram levados para lá acreditando que iriam trabalhar.

Durante a visita, analisámos diversos blocos: num deles, estavam expostos mapas, fotos do campo em operação, cópias de registos dos prisioneiros, maquetes das câmaras de gás, latas de Zyklon B, inseticida usado nas câmaras de gás para provocar a morte das pessoas que lá entravam. É nesse bloco também que há uma sala onde ficam expostos os cabelos das vítimas, o que, talvez, tenha sido para mim dos momentos mais pesados e arrepiantes.

Noutro bloco, estavam expostos nas cabines as várias malas, um monte de sapatos com uma grande diversidade de tamanhos, escovas de dentes, os brinquedos das crianças, utensílios de cozinha, tudo o que tinha sido deixado para trás, logo na chegada ao campo de concentração.

Foi relatado, também, como funcionava o procedimento de registo para cada prisioneiro. Nesse bloco, existe um corredor longo e estreito cheio de quadros com fotos: na parede esquerda, as fotos das mulheres e, na direita, as fotos dos homens. Todos com as roupas listadas do campo, já sem cabelo. Nos quadros, aparece a data de nascimento, a data de chegada ao campo e a data da morte. A maioria não sobrevivia muito tempo. Medonha a organização alemã.

Já na parte exterior, visitámos o mural do campo em homenagem a todos os que morreram lá. Quisemos deixar a nossa marca, acendendo uma vela com o emblema do Colégio.

Depois, seguimos para o segundo campo, Birkenau. Este é enorme, tendo como imagem de marca a entrada onde está o tão famoso trilho do comboio por onde chegavam os prisioneiros. Foi um momento extremamente arrepiante.

Um outro momento que me marcou foi a parte dos “dormitórios” que mais pareciam estábulos, por causa da falta de condições, chão de terra, camas de madeira.

Saindo desta parte, deslocámo-nos para fora para ouvir um pouco mais sobre a libertação do campo, onde aconteceu um dos momentos mais bonitos da viagem: ao desenrolar da conversa, começou a cair neve, elevando ainda mais o caráter emotivo que esta visita teve.
Acabou, assim, por ser uma visita comovente e, ao mesmo tempo, muito arrepiante, em que o meu estado espírito entrou duma maneira e acabou por sair de lá diferente.

Hoje, posso dizer que presenciei um dos sítios mais negros que a Humanidade alguma vez viveu.»

(Testemunho do aluno Luís, do 12.º AJD)


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«Para mim, Auschwitz foi, sem dúvida, o momento mais marcante da viagem.

Antes da visita aos campos (Auschwitz I e Auschwitz Birkenau), a turma já se encontrava informada e mentalizada sobre algumas das atrocidades que aconteceram nos campos. Contudo, nada nos preparava para o que iríamos observar.

Ao entrar no primeiro campo, deparámo-nos com a irónica frase “Arbeit mach frei”, que, em português, significa “O trabalho liberta”, fazendo-os acreditar que não estavam a caminhar em direção à morte. Ao andar pelos campos, ouvindo sempre o relato do guia, percebemos que, a cada passo dado, pisávamos o chão onde milhões de pessoas morreram por fome ou, até mesmo, por exaustão ou foram assassinadas. Tentávamos imaginar os cenários, a banda a tocar na entrada do campo; famílias a serem mortas pelos guardas da SS; os cabelos e barbas dos judeus a serem-lhes rapados, com o propósito de os humilhar.

De facto, foi ao observar os cabelos, roupas e escovas de dentes daqueles que sofreram o Holocausto que entendemos o quanto o passado representa a História e que, em momentos aterrorizadores, a esperança falecia lentamente, por parte daqueles que sofreram neste meio.

Ao fazer a homenagem às vítimas deste genocídio em nome do Colégio Internato dos Carvalhos, acendemos uma vela e, em silêncio, lamentámos os feitos inacreditavelmente assustadores. Foi neste momento que a vela apagou. Pensávamos em voltar a acender, mas ela reacendeu, sozinha, e com uma chama muito mais forte. No seu sentido metafórico, gosto de acreditar que esta pequena vela simbolizou, de alguma forma, que a esperança nunca morre.

Outro momento, igualmente, marcante sucedeu-se na segunda parte da visita a Auschwitz. O nosso guia, ao terminar a sua «apresentação», falou, por último, do momento da libertação das vítimas. Quando tal aconteceu, vimos e sentimos a neve a cair. Não era suposto em tal dia nevar, não estava previsto tal acontecer. A neve parecia evidenciar, de certa forma, o raio de esperança que, na realidade, nunca tinha morrido e que renasceu ao saber que iriam ser libertados. Nunca pensei vir a constatar tais momentos de pura reflexão.

A visita às câmaras de gás, às «barracas» onde dormiam e a própria linha de comboio evidenciavam o quão sortudos somos por saber que não estávamos condenados a lidar com tais situações aterrorizadoras.

A viagem a este local uniu-nos emocionalmente, de uma forma mutuamente evidente, fazendo-nos aproveitar, mais do que nunca, a vida.»

(Testemunho da aluna Catarina Abadesso, do 12.º AJD)


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«A visita ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau ocorreu no dia 2 de março. Acordámos muito cedo. A viagem para lá demorou, sensivelmente, uma hora. Durante esse tempo, tivemos oportunidade de refletir e de nos preparar, psicologicamente, para aquilo que estávamos prestes a assistir. A ansiedade aumentava a cada quilómetro.

O primeiro campo de concentração que visitámos foi o de Auschwitz e, só depois, o de Birkenau que se situa a três quilómetros de distância.

Quando, finalmente, chegámos a Auschwitz, o primeiro choque foi logo na entrada onde se encontra a frase “Arbeit macht frei”, que significa “O trabalho liberta” - algo, sem dúvida, irónico tendo em conta o que, de facto, acontecia para lá daquela entrada. Como é possível seres humanos serem capazes de fazer aquilo a outros seres humanos exatamente iguais, mas apenas de uma raça diferente?

Logo começámos a ver uma série de blocos. À medida que o nosso guia ia relatando tudo o que aconteceu e explicando a utilidade de cada um dos blocos, cada um de nós imaginava o que aconteceu como se estivesse a concretizar-se naquele preciso momento.
A escuridão tomava conta daquele sítio. Visualizámos várias fotografias de pessoas extremamente magras e subnutridas devido à sua reduzida alimentação diária. Mulheres chegavam ao campo de concentração com 75kg e ficavam com apenas 25kg, o que nos chocou, igualmente. A fraqueza. Fotografias de crianças que eram vítimas de experiências médicas pelo Dr. Mengel. Imagens de pessoas a serem agredidas pelos guardas das SS. Pessoas completamente nuas. Pessoas mortas, todas amontoadas.

Tivemos, ainda, acesso a milhões e milhões de fios de cabelo cortados às mulheres que serviam, mais tarde, para fazer roupas e afins. Milhões e milhões de óculos. Milhões de escovas para o cabelo, pincéis, latas, cremes, roupas que eles levavam para lá vestidas, tanto de adultos como de crianças. E ainda sapatos.

Existia um imenso corredor com inúmeras fotografias de pessoas que frequentaram este campo. Das mais variadas idades. Na moldura, encontrava- se escrito o seu nome, a sua profissão e a data de falecimento. As pessoas chegavam a morrer um mês após a sua entrada naquele campo de horror.

Ainda neste campo, tivemos acesso a um bloco que era uma espécie de prisão, como se já não bastasse o terror. Tinha mesmo celas individuais onde nem uma cama existia. Apenas continha uma janela bastante pequena.

Prestámos uma homenagem a todas as vítimas do Holocausto, pelo que colocámos uma vela com o símbolo do nosso colégio. De forma arrepiante, a vela apagou e voltou a acender, como por magia.

Vimos a casa onde vivia o comandante deste campo de concentração. Inacreditável, como é que aquela pessoa conseguia viver de forma tranquila tendo a plena noção do que se passava mesmo ao lado, onde milhares de pessoas morriam diariamente.

Terminámos a visita neste campo com as câmaras de gás. Algo absolutamente inimaginável. Estar ali, naquele local onde morreram milhões de pessoas. Como é possível eles, simplesmente, abrirem a janela por cima desse bloco de cimento e atirarem o gás, deixando morrer aqueles inocentes e, ainda, fazendo isso com prazer?

O campo de Birkenau é absolutamente sombrio. Não existe forma de explicar o que se sente mal se entra naquele campo. Este era o campo de trabalho e extermínio. A entrada é, desde logo, acompanhada pela linha de comboio aonde chegavam em vagões, diariamente, pessoas que não tinham a mínima noção para onde iam.

Do lado direito, observávamos a imensa extensão do campo destruída pelos nazis como forma de tentar esconder aquilo que se passava. Como forma de tentar esconder todas as câmaras de gás que ali se encontravam.

Do lado esquerdo, uma imensidão de blocos. Um vazio enorme tomava conta de nós. Uma tristeza sem descrição.

Entrámos em dois blocos neste campo que nos marcaram de forma particular. Um deles onde se localizava a casa de banho. Algo absolutamente desumano. Havia cerca de 20 buracos que funcionavam como sanitas. Tinham apenas 4 minutos diários para utilizar a casa de banho. Dois minutos de manhã e dois minutos quando regressavam do trabalho. E, ainda, eram humilhados pelos guardas das SS. O outro bloco, os dormitórios. Um desconforto imenso. De um momento para o outro, as pessoas foram colocadas ali e viram-se obrigadas a dormir com outras pessoas que nunca tinham visto antes, todas amontoadas. Existia uma extensão de “beliches”, de madeira, onde dormiam, ou pelo menos tentavam. O medo.

Algo absolutamente extraordinário aconteceu quando o guia disse que ia falar da libertação e, de repente, começou a nevar. Algo, sem dúvida, mágico.»

(Testemunho da aluna Ana Rita, do 12.º AJD)


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«Sábado, dia 1 de março de 2019, começou de uma forma tranquila. Acordámos cedo e preparámo-nos para o que iria ser um dia preenchido, cansativo e emotivo.

A longa distância entre Cracóvia e Auschwitz fez-se descontraída e calmamente. No entanto, à medida que nos aproximávamos do local, marcado pelos milhares de vidas perdidas e pelas constantes torturas sociais, psicológicas e físicas, o negativismo e a tristeza apoderaram-se do estado de espírito de cada um.

À entrada do campo Auschwitz I, foram-nos fornecidos auriculares, a partir dos quais poderíamos ouvir o guia que, com uma voz triste e baixa, nos ia mostrar todas as marcas e evidências do que aconteceu naquele local tão sombrio: as condições de vida e de trabalho, todos os barracões, as celas, as câmaras de gás, entre muitas outras coisas.

Quando chegámos ao tão conhecido portão onde está descrito “ARBEIT MACHT FREI” (“O TRABALHO LIBERTA”), um sentimento de impotência e infelicidade invadiu-me o pensamento. A partir daí, comecei a recordar tudo o que tinha lido antes da viagem, numa tentativa de me preparar para o que iria ver, e, ao mesmo tempo, de estudar tudo o que teria acontecido naquele local.

Ao entrar nos blocos, ao andar pelos corredores, ao ver as fotografias deixadas, os pertences de todos os prisioneiros, as duas toneladas de cabelo, os óculos, as escovas de barbear e pentear, os “pijamas” torna-se evidente que tudo o que relatam nos livros de História aconteceu, que as injustiças e maldades existiram e existem. A emoção foi difícil de conter quando olhei para as paredes e vi retratos de pessoas que morreram, pessoas reais, que tinham um emprego e família. Crianças e mulheres de “pele e osso”, tão magras.

Um dos momentos que mais me causaram um sentimento de indignação foi, para além das câmaras de gás, mascaradas com chuveiros e canalizações que não funcionavam, numa tentativa de levarem os prisioneiros à expectativa de que iam, apenas, tomar banho, foi a casa do comandante-chefe do campo. Esta casa encontrava-se diretamente ao lado do campo, separada apenas por um muro, onde o comandante da SS vivia com a sua família, mulher e filhos, em todas as condições de vida possíveis e luxuosas, enquanto, ao lado, sobreviviam milhares de judeus, ciganos, homossexuais, separados das suas famílias, maltratados diariamente, violados e torturados.

Após uma hora e meia em Auschwitz I, seguimos para Auschwitz-Birkenau, a cerca de 3km de distância. O grande caminho de ferro que percorria todo o campo emocionou-me pela sua simbologia. As pessoas chegavam de toda a Europa, em vagões destinados a transportar animais, e eram separados em dois grupos, um que iria trabalhar e outro que iria, imediatamente, para as câmaras de gás. Para além da enorme dimensão, com dezenas de barracões e câmaras de gás, este campo de extermínio em massa marcou-me pelas condições bárbaras a que submetiam os prisioneiros. Num clima extremamente frio, chegando frequentemente a graus negativos, os judeus, vestidos apenas com os “pijamas” finos a que tinham direito, descansavam em barracões de madeira sem qualquer tipo de isolamento, empilhados uns em cima dos outros, onde cabiam somente 100 pessoas, mas dormiam 300 ou 500.

Durante toda a “visita”, era consensual o clima pesado que se fazia sentir. A revolta e a incompreensão eram cada vez maiores. Como é que um homem conseguiu manipular tanta gente? O quão maléfico é preciso ser para submeter pessoas, pessoas tão humanas e dignas como ele, a condições degradantes e desumanas? Como é que um homem, juntamente com todos os outros que o defendiam e ajudavam, pôde ser responsável pela morte de 6 milhões de pessoas? Como é que ninguém fez nada para impedir tal acontecimento?

À entrada do primeiro bloco que visitámos, era visível a frase que muito sentido faz no mundo contemporâneo em que todos vivemos, num mundo repleto de desigualdades e violações a todos os Direitos Humanos, num mundo em que se venera a superioridade de umas raças relativamente às outras: “Aqueles que não se recordam do passado estão condenados a repeti-lo”.»

(Testemunho da aluna Beatriz, do 12.º AJD)


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«AUSCHWITZ – Silêncio Mudo
Fica tudo em silêncio, ouvindo somente as explicações dadas em voz baixa pelos guias. Não se ouve ninguém falando alto, apenas rostos pálidos, molhados, silenciados pelo ambiente arrepiante dos campos de concentração, pelos milhares de latinhas de produto tóxico usadas nos crematórios…

A minha memória livresca e cinematográfica foi terrivelmente assombrada e estremecida…

Auschwitz – Silêncio Mudo – o medonho silêncio que urge descodificar e compreender da megalómana apocalíptica ambição de poder nazi…»

(Testemunho da Prof.ª Cristina Sá)


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«Auschwitz – um grito sufocado que ganha corpo nas lágrimas que não conseguimos conter.»

(Testemunho da Prof.ª Anabela Vaz Pinto)


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«Cracóvia: cidade lindíssima, fria e cinzenta.

Com fortes pegadas históricas:

- Santo João Paulo II – um santo, inspirador e carismático;
- Auschwitz I e Auschwitz II Birkenau – o passado aqui bem presente, a vergonha de pertencer a um mundo capaz de tais atrocidades …, ontem e hoje. No final, pequenos flocos de neve caíam, timidamente, vítimas indefesas, como que suplicando para nunca os esquecermos!
“Auschwitz – Para Sempre!”»

(Testemunho da Prof.ª Maria José Fontes)


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«Li, investiguei, examinei imagens, ouvi depoimentos, assisti a filmes e a documentários. Mas nada me preparou para o silêncio dos gritos sofridos das almas que partiram de Auschwitz. Pousei a minha mão no chão da câmara de gás, espaço sagrado, onde tantos inocentes tombaram, e, de repente, todas as imagens que já tinha visto, e sabia reais, saíram dos livros como que lembrando que é nossa a obrigação evitar que se repita o que pura e simplesmente nunca deveria ter acontecido. No museu de Auschwitz, os guias chamam-se educadores, falam baixo, pausada e respeitosamente como se cada visita guiada fosse a primeira, porque todas as vítimas precisam que, através deles, o mundo perceba o tamanho da monstruosidade do que ali se passou.

A cada escada que subíamos, ainda íamos olhando em frente; a cada degrau que descíamos, já caminhávamos cabisbaixos com olhos encharcados. No espaço, estavam centenas, talvez milhares de pessoas, ouvia-se o indispensável…

Estivemos, de facto, num dos sítios mais negros da Humanidade, onde o silêncio é ensurdecedor e murmura ao ouvido, e o vento que apagou e fez reacender a vela que deixámos com o emblema do CIC no memorial aos Judeus naquela parede fuzilados parecia querer dizer-nos que temos uma missão: “Auschwitz sempre – para nunca mais!” Cá fora, somos nós os educadores, e se calhar para que não o esqueçamos, em Auschwitz Birkenau, caíram uns flocos de neve – os únicos e por meros segundos – quando o educador nos disse “agora vamos falar do dia libertação”.

Se calhar ainda há esperança… pensei; mas, para os meus alunos, afirmei que era o sinal que Alguém vos envia do que o mundo espera e precisa de vós.

Foi uma viagem muito emotiva, muito real, que nos levou de uma forma e nos trouxe de outra, muito diferente. Trabalhemos agora pelos holocaustos da atualidade para que os nossos alunos não repitam Charles Handy no seu livro “A Era da Irracionalidade” (1982) “Mais tarde cheguei à conclusão de que não aprendi nada na escola de que me lembre agora (…)”».

(Testemunho da Prof.ª Maria José Queirós)


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«Não tenho memória certa, se li, se ouvi a frase “a humanidade tem muito com que se envergonhar.” Seria exatamente assim? Não tem importância, não configura erro grave, não promove incoerência.

O percurso, ainda que em transporte confortável e apelativo ao bem-estar, fez-se em silêncio. Acredito que, pelo menos, em silêncio de alma.

Chegámos então a Auschwitz.

Uns passos, poucos, antes do portão “Arbeit macht frei”, a sensação foi de “déjà vu”, e o filme de alguns filmes foi mentalmente projetado. Mas o som compassado da caminhada obrigava a regressar à realidade, a ficar suspenso, a ficar na sombra. O que estaria no interior dos soturnos pavilhões, além do que a História ensinará e a voz do “guia”, certamente preparada, certamente ensaiada, mas sofrida, partilhava?

Então acontece o momento em que me deparo com a verdade, depois é o momento em que me cruzo com outros que buscam, depois… depois sou eu, o guia e eles, não os que ali estão, mas os que lá estiveram.

Quando desço, quase no fim, quase no fundo, os últimos degraus, perguntei-me, em solilóquio, para onde me levariam e se poderia sair dali…

Em Birkenau, se possível, a dor, a humilhação, o desprezo, a humanidade condenada à mais vil indignidade revela-se requintada. Ecoarão para sempre as perguntas, as mesmas – Como? Porquê?!...

Como foi possível sobreviver à sobrevivência? Por isso haverá sempre tempo para lembrar, para relembrar que não há filme, não há documentário que se aproxime da experiência avassaladora vivida naquele espaço – antes, agora, depois.

À saída, caminhada mais compassada, ainda assimilando que o silêncio é de ouro, mas não pacífico, nem cúmplice da hediondez, nem dos energúmenos, olhei os jovens que acompanhámos demoradamente. Toda a minha emoção fugiu para eles, porque os sei jovens em Auschwitz e não jovens de Auschwitz.
Inacreditável, a Humanidade comporta-se, 80 anos depois, como se não tivesse nada com que se envergonhar.»

(Testemunho da Prof.ª Lígia Campos)

 

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